“Uma unha encravada bem no fundo no rabo”. É esta a expressão usada por X, ao falar da malfadada história em que não conseguiu salvar um petiz das mãos de uma bruxa. “Lembro-me como se tivesse sido há cinco anos. Foi há cinco anos, uma mãe telefona-me aflita, dizendo que o seu pirralho de sete meses tinha sido raptado pela bruxa da aldeia vizinha. Quando cheguei a casa da bruxa, ela preparava-se para meter o cachopo no caldeirão. Não é que perceba muito do assunto, mas acho que ela estava a preparar uma poção que cura a osteoporose e a vontade de comer Suissinhos. Seguindo em frente… eu chego, deparo-me com a situação, limpo a casa da bruxa que estava cheia de teias de aranha, e lanço-me ao miúdo. Não no sentido pedófilo do termo, atenção. Tudo bem, era uma criança jeitosa, mas eu tenho princípios. Só se fosse eu, o miúdo, a bruxa e um leão-marinho. Onde é que eu ia? Ah sim… lanço-me ao crianço, a velha manhosa reage mais astuta que uma raposa autista, atira o puto ao ar, agarra no spray pimenta e pulveriza-me os olhos. Ora, depois disto não conseguia ver nada. A pimenta entrou em conflito com o meu poder de olhar ultravioleta, que ficou descontrolado. Ainda gritei para a bruxa meter protector na pele mas não deu tempo. Ela ficou toda queimadinha, mesmo reduzida a cinzas, e uma das unhas dos pés dela saltou e enfiou-se-me no recto. Como não via nada, acabei por deixar cair o bebé no caldeirão. Deitei a poção aos cães vadios, que nunca mais assaltaram frigoríficos à procura de iogurte”. X passou por uma grave depressão após este incidente, e pensou mesmo abandonar o trabalho. “A bruxa era muito importante para mim. Só ela podia descobrir porque é que o meu pénis canta os ‘Jardins Proibidos’ do Paulo Gonzo quando está erecto”. Porém, a enorme força de vontade e uma dose diária de marijuana mantiveram X neste caminho de salvar vidas.
A conversa sobre esta história estava a ser tão interessante que quase deixámos passar despercebido um assalto a um quiosque, bem perto de nós. Tão perto que eu próprio podia ter agarrado o bandido esticando o braço. Eu e X estávamos nesse mesmo quiosque a comprar a Playb… o El País, quando um indivíduo encapuzado se aproximou e pediu todo o dinheiro da caixa registadora. O assalto decorreu muito rapidamente, ao ponto de só nos apercebermos de tal quando o ladrão já se preparava para agarrar um DVD com livro ilustrativo do Noddy e começar a correr. “Pára em nome da Lei e do senhor Lei!”, gritou X, deixando o patife em dúvida sobre o que fazer: continuar a correr ou roubar a última edição da Cosmopolitan. X encheu o peito do ar, teve um ataque de flatulência durante 10 segundos e atirou-se para cima do larápio, imobilizando-o com uma mão, esbofeteando-o com a outra e usou a terceira para fazer truques de magia. Entre eles, destaque para um coelho que saiu pelas narinas do assaltante.
Na mercearia da Dona Alcina X comprou um bolo, velas e um isqueiro. “Não sei quando é que nasci, por isso comemoro o meu aniversário todos os dias”. Foi durante o momento do pagamento que três jovens e um caniche entraram na mercearia e provocaram um arrastão. Ele era vidros pelo chão, pêras esmagadas, o caniche a lamber os testículos como se nada fosse… um autêntico caos. Como sempre, X interveio: cortou as bolas ao cão, pegou nos cacos de vidro, amontoou-os na mão esquerda e lançou-os com um golpe genial, um por um, contra os adolescentes rebeldes em fuga. “Cena inspirada no meu filme favorito, o Demolidor com o Ben Affleck. Por falar nisso, está na altura de ir para casa vê-lo, é a minha rotina de início da tarde”. X pegou nos bocados de pêra esmagados e espezinhados, meteu-os à boca e saiu todo contente.
E de regresso à imunda casa de X, para ver um filme de 2003 entre o razoavelzinho e o mau. Decerto isto não constava nos meus planos para a reportagem. Mas bem, antes este que o Velocidade Furiosa 2. Sentados num sofá de cor pepperoni (porque estava todo sujo de pepperoni), lá começou a sessão de cinema. X babava-se ao ver a película, principalmente quando aparecia o Michael Clarke Duncan. Tive receio em perguntar-lhe se é fã de futebol americano. Quando chegou à parte em que o Mercenário mata o pai da Elektra já eu estava com uma dor de rins dos diabos. Era o efeito do excesso de mercúrio. “Não é preciso sofrer assim tanto, eu sei que a cena em que a Elektra morre é de ir às lágrimas, mas porta-te como um homem!”, vociferou-me X ao ver-me contorcido com dores. Findo o filme, X foi para o quarto jogar Super Mário. E nessa altura veio um desabafo triste: “Nunca consegui salvar a princesa”. Uma frase que vale mais do que mil imagens da princesa Peach para sempre escrava do Bowser.
Vinte e três níveis depois, X parou para descansar. Pelo menos foi essa a desculpa dele. Farto de nunca mais chegar ao último nível, atirou com o comando contra a televisão e deu cabo de ambos os aparelhos. Voltámos à cozinha/sala já era hora de jantar. “Serve-te à vontade, é só pegar numa fatia de pizza do chão”. Agradeci a oferta, mas se me baixasse um centímetro que fosse nunca mais me levantava. Tinha por esta altura um rim e meio paralisado. Aflito por dar entrada no hospital, perguntei o que X costumava fazer à noite. “Pouca coisa, fumo a minha dose de marijuana, masturbo-me e vou para a cama. É isto que preciso para durante a noite dormir como um bebé, daqueles que não estão a fazer de poção. Ontem, por exemplo, não fumei a maconha porque não tinha gás no isqueiro, e por isso é que dormi mal”. Dito isto sacou da ganza e de um super-membro, o que para mim foi motivo suficiente para me despedir e sair daquela casa, onde se ouvia ao longe “Quando amanheces, logo no ar, se agita…”.
A caminho do hospital vi um prédio em chamas com sete pessoas e um chinês lá dentro. Mais à frente uma mulher era brutalmente violada por dois homens e um leão-marinho, ouvindo-se a tempos os gritos de horror “É consentido! É consentido!”.
Depois de chegar ao hospital e me ser induzida uma dose de morfina, restou-me um pensamento: ou aquele c@%&# do X se suicida ou eu próprio dou cabo dele.