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Um dia na vida de um super-herói (parte 1)

Written By Sérgio Pereira on sábado, 4 de junho de 2011 | 4.6.11



“Não preguei olho”. Foi esta a frase que o super-herói X atirou ao sair de casa e encarar comigo. Foi sem dúvida má educação, podia ter começado com um “Bom-dia”. Mas não convém apontar erros de palmatória a super-heróis, porque são fortes e têm poderes sobre-humanos. Por isso engoli em seco e respondi como se nada fosse. “Há noites assim”, e posto isto acompanhei-o até à pastelaria para tomarmos o pequeno-almoço.

Convém apresentar este super-herói. Vou chamar-lhe X o resto do texto, pois ele não quis que o seu verdadeiro nome fosse revelado. Aparentemente, não é hábito este tipo de indivíduos abrirem a sua porta privada a gente normal, muito menos pretendentes a jornalistas com uma capacidade criativa demasiado preocupante. Por isso X teve receio de ser ostracizado pelos colegas de profissão. Os contactos para que esta reportagem acontecesse foram feitos no máximo sigilo, sempre a deitar o olho por detrás das costas procurando alguém que nos estivesse a espiar. “No dia em que fizermos isso [a reportagem], vais ter que passar por meu filho ilegítimo de uma aventura que tive em Mogadíscio em 93”, disse-me X no segundo encontro preparatório, e eu aceitei as condições. Duas semanas depois, ali estava eu na pastelaria, comendo um palmier e bebendo um galão, fingindo o reatamento de laços com o “meu pai”. À minha frente, X deliciava-se com seis bolas de Berlim, que continham o açúcar necessário para o organismo depois de uma noite mal dormida. “Normalmente só como quatro e um panike de fiambre e queijo”, conta-me com a boca cheia. Para molhar a palavra, a bebida dos campeões: óleo vegetal. Questionado sobre como começa o seu dia, X adianta “Agora a seguir vou fazer uma ronda ligeira pela zona sudeste da cidade, em busca de mirones e exibicionistas. Eles atacam mais pela manhã. Depois descanso um pouco no parque, jogo à sueca com os idosos que lá estiverem e vou almoçar antes de toda a gente, pois à hora da papa é quando os larápios gostam de assaltar quiosques e mini-mercearias”. Engolida a última bola de Berlim saímos a correr, não porque houvesse alguém em perigo mas porque nenhum de nós tinha dinheiro para pagar.

Quando chegámos à zona sudeste da cidade pude comprovar o que X tinha dito. Em pleno mês de Junho andava um senhor de sobretudo pelo adro da Igreja, fazendo beatas e o sacristão corarem de vergonha. X agiu rapidamente e imobilizou o pervertido, confiscando-lhe o material que usava no seu “trabalho”: o sobretudo. Nas janelas era possível ver dois ou três indivíduos de binóculos nas mãos a seguir esta cena, bem como a que se passava pelas janelas de uma casa onde moram duas jovens senhoras do Leste europeu. X voltou à carga e tapou as janelas dos mirones com as cortinas das janelas da casa das referidas senhoras. Problemas matutinos resolvidos, era altura de rumar ao parque.
No parque fomos dar com o senhor Almerindo, velho amigo de X e que já estava a perder 30€ na lerpa para Eugénio e 25€ para Constantino. A chegada do super-herói foi saudada por todos. “Já estou farto de perder”, disse Almerindo. “Já estamos fartos de ganhar”, declararam os outros dois. Rapidamente se começou um jogo de sueca, em que X usou o seu poder da rapidez para baralhar, partir e dar em dois segundos. Afortunadamente, ficou com os trunfos todos. “Já estás a fazer batota!”, acusou o adversário Eugénio. “Cala-te e joga, refilão. Não gostas é de perder!”, replicou X. O clima era claramente bem-disposto. Depois de duas vazas limpas e três copos de água-pé esvaziados, X despediu-se dos idosos para ir almoçar. “Tento vir jogar com eles sempre que posso, pois quero manter uma ligação estreita com as pessoas normais para não me perder em fama e poder. Além disso, eles precisam de companhia e eu precisava de 55€”, afirmou X já a caminho de casa, mostrando-me o dinheiro roubado a Eugénio e Constantino com a sua terceira mão elástica e invisível. 

A expectativa em entrar na casa de um super-herói era grande, mas rapidamente se desvaneceu. Na cozinha/sala, havia fatias de pizza espalhadas pelo chão, latas de cerveja vazias em cima da mesa da sala, um monte de pratos e talheres sujos no lava-louça. No quarto via-se a cama por fazer, roupa suja amontoada em cima da mesinha de cabeçeira, uma consola de jogos quase partida no chão, só com um comando já sem algumas teclas, e uma televisão a mostrar o menu de pausa do Super-Mário Bros. Faltava a casa-de-banho, que se encontrava impecável. “Não a uso, o meu organismo não funciona da mesma forma que o vosso”. Excepto a parte da transpiração, diria eu se não fosse aquele pormenor de “não apoquentes super-heróis ou eles partem-te ao meio com os olhos”. X tirou oito latas de atum da prateleira, deu-me uma e engoliu as outras num ápice. “O mercúrio faz bem, dá-te força e problemas nos rins. Come lá que temos de ir embora, está a começar o turno da tarde”, aconselhou-me X.

 (Continua...)

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