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Ninguém acreditou que Maria Antonieta cometeu actos incestuosos mas isso não é razão para não lhe cortar a cabeça

Written By Tiago Lacerda on sábado, 16 de outubro de 2010 | 16.10.10

Os risos invadiam a praça de uma forma que o bom gosto me impede de chamar obscena, mas que classificarei de abjecta. As pessoas iam-se juntando, aos poucos, muitas tinham nas mãos grandes pedaços de fruta e hortaliças podres. Tinham-nas trazido para arremessarem à cara da condenada. Estes seres humanos adoráveis acham que o medo da morte e a guilhotina não são o suficiente para castigar as pessoas. Parecem pensar que se a condenada não levar com um tomate putrefacto no trombil, não há justiça e a sacana safa-se de boa. À medida que a gaiola (sim leu bem, eles levaram-na até a guilhotina numa gaiola) se ia aproximando do palco, mais e mais fruta podre era arremessada. No meio da tragédia uma imagem insensivelmente cómica surgiu-me no espírito “Ainda bem que não está aqui o José Eduardo Bettecourt se não era ver o João Moutinho ser arremessado sem dó contra as grades da gaiola, uma e outra vez”.
Quando chegou finalmente ao estrado, Maria Antonieta, ex-Rainha de França, era uma sombra do que outrora tinha sido. De cabelos brancos e grandes olheiras tinha um aspecto horrível, que me levantou duas questões. “Como é possível que aquela rapariga do Homem-Aranha tenha sido escolhida para desempenhar este papel?” foi a primeira, mas aquela que talvez me invadiu a alma com mais força, qual claques dos super-dragões a invadir uma estação de serviço, foi “Isto realmente há pessoas que se deixam mesmo ir. Custar-lhe-ia muito ter arranjado o cabelo? Quer dizer, já que vai falecer ao menos que faleça in (mesmo na minha cabeça, a palavra in estava escrita em itálico).
Quando Maria Antonieta saiu da gaiola o povo delirou. Os gritos de “meretriz, meretriz” e “oferecida, oferecida” eram secundados por gritos de homens desesperados e abstraídos de toda a confusão que entoavam “onde, onde? É cara a gaja? Vale a pena?”. Maria Antonieta enfrentou todas estas provações como uma verdadeira rainha. Olhou para o povo de cabeça bem erguida e honrada, não se deixando rebaixar pela populaça. Claro, que isto a única coisa que lhe valeu foi levar com mais um tomate na pinha, ou terá sido fígado de porco? Às vezes confundo-me.
O carrasco afiava a guilhotina daquela maneira obscena que todos nós já vimos em filmes de época e que eu me vou abstrair de comentar por ser do conhecimento de todos. Enquanto tentava não pensar no que se seguiria, dei comigo a cogitar na audiência/julgamento que tinham levado a cabo contra Maria Antonieta. O julgamento, se é que se pode chamar julgamento a uma sessão cujo único propósito era a condenação, teve um pouco de tudo. Acusaram a Rainha de fornicar com o filho, chamaram-lhe traidora, disseram que além de fornicar com o filho o tinha traído também a ele com um bastardo que ela tivera apenas com esse propósito, o habitual portanto. Claro que ninguém acreditou por um segundo que Maria Antonieta tivesse, de facto, dormido com o filho, até porque a ex-soberana fez um apelo comovente do género “todas as mães sabem graças ao seu coração de mãe que eu nunca faria isso!”, mas também ninguém quis saber. Ela não estava a ser julgada por isso, mas já que isso tinha vindo à baila melhor, mais uma razão.
Enquanto me encontrava perdido em contemplações, que o leitor já deve começar a desconfiar que apenas servem para dar contexto as notícias que escrevo desta forma, Maria foi posicionada debaixo da guilhotina, ou como o povo lhe chama aqui “sessão de cinema das cinco da tarde”. Com tudo a postos a lâmina desceu enfim. A partir daqui as coisas ficaram feias. Arrastaram a cabeça de Antonieta pelas ruas, qual carro de recém casados cheio de latas, e vi ainda o carrasco aproveitar-se para mexer nas maminhas da ex-rainha.
Repugnado, enojado e ainda um outro sinónimo destes, saí dali rumo à redacção do Jazigo com o coração nas mãos. A verdade é que não era o único com o coração nas mãos neste dia. A única diferença entre mim e os demais era que o meu coração estava figuradamente nas mãos, enquanto eles tinham literalmente corações nas mãos. Ao que parece ainda não se fartaram de atirar coisas e querem um encore. Pode ser que tenham sorte.

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