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Amor até fazer faísca

Written By Sérgio Pereira on sábado, 1 de janeiro de 2011 | 1.1.11


O dia amanheceu calmo, com o sol a espreitar pelas frestas de uma janela semi-aberta. Uma mulher esperava impacientemente pelo fim da sua gravidez, pois sentia falta do calor corporal do seu marido. Não que não quisesse aquela criança, mas esta privação sexual estava a enlouquecê-la.
Arduamente, levantou-se da cama, coberta de lençóis de cetim vermelho, oferecidos por uns familiares distantes vários Natais atrás. Nunca mais os tinha visto, porque moravam na Flórida e eram agricultores a tempo inteiro. “Para ver agricultores basta-me sair de casa e pensar que são minha família”, pensou Jill, com olheiras pela noite mal dormida. Aos tropeções chegou à casa-de-banho, onde fez a sua necessidade nº 1 pela quarta vez nas últimas três horas. “Isto não pode durar muito mais tempo, sinto-me um bisonte”, pensava a pobre mulher, à beira do desespero.
Encontrando o caminho para a sala, deparou-se com o pequeno-almoço preparado por Patrick, o seu marido. “Que acto tão gentil. Terei de o retribuir daqui a uns tempos”. Patrick tinha sido sempre o parceiro ideal durante a gravidez. Nem quando Jill solicitou rissóis de camarão recheados de doce de amêndoa ele se acanhou. Em meia hora arranjou a especiaria. E não deve ter sido fácil, pois às 4 da manhã está tudo fechado em Omaha, cidade do Nebraska.
Enquanto apreciava um pequeno-almoço constituído por ovos, presunto, pizza, torradas, cabrito, capuccino, feijoada, sumo de laranja, açorda de marisco e uma maçã, Jill sentiu uma contracção. “Ora bolas, queres ver que o puto me faz perder a missa do meio-dia?”. Eram 11:30 e nos minutos seguintes nada aconteceu, por isso Jill esperou pela sua vizinha e lá foram juntas à igreja. Foi enquanto o padre lia Mateus 11:3 que a mulher desta história sentiu nova contracção, muito mais forte que a outra. Ao dar conta, a vizinha perguntou-lhe preocupada se estava bem. “Sim, já me tinha acontecido de manhã. Devem ser só gases”. Eram 12:45.
Acabada a missa, era altura de voltar a casa. Lá já estava Patrick, preparando o almoço. “Então o que temos hoje?”, perguntou Jill com voz sedutora. “Nada de especial, algo leve. Cozido e um bife de novilho. Como está a correr o teu dia?”. Jill contou-lhe das contracções que tinha sentido, mas acalmou o marido dizendo que não devia ser nada. “Acalma-te amor, não deve ser nada.”. E continuou dizendo que seria ridículo alguém nascer no último dia de ano, quando o Diabo martiriza as pessoas com celebrações impuras. Patrick despreocupou-se e começou a falar animadamente do seu dia: “Queres acreditar que cheguei ao trabalho, cumpri as minhas funções, voltei para casa para o almoço e nada de extraordinário aconteceu?”. Jill estava emocionada: “Incrível, querido, a tua vida é tão emocionante!”. E foi entre uma dentada numa morcela e num naco de carne que uma nova contracção aconteceu. Eram 13:55.
Após Patrick sair novamente para o turno da tarde de qualquer que fosse o seu trabalho, Jill ficou sentada no sofá a ver novelas mexicanas. “Grande porca, depois de roubares o marido das outras ainda vens com lágrimas de crocodilo por te terem roubado um colar que o actor principal te deu, quando esse colar devia ter sido dado à actriz principal!”. Foi no meio destas intrigas que nova contracção sucedeu. Eram 15:20.
Às 16:05 Patrick chegou a casa ainda a tempo para ver o final da segunda de cinco novelas que dão à tarde na TVI lá do sítio. Quando os créditos entraram, deixando uma cena em suspenso em que os protagonistas e o vilão estavam presos num poço no meio de nenhures, Jill teve nova contracção. Eram 16:15 e Patrick achou por bem irem até ao hospital ver o que se estava a passar.
O casal chegou ao hospital às 16:50, altura em que Jill teve nova contracção. O obstetra que estava de serviço confirmou as expectativas: o bebé vem aí. Nesta altura podia descrever a estadia de Jill num quarto onde estavam também uma ninfo-maníaca e uma mulher com síndrome de Tourette, mas tal não interessa muito. Basta dizer que Jill, como boa católica, rezou bastante pela alma das duas, isto entre contracções que se sucediam cada vez mais depressa.
“Puxe, puxe, puxe, está quase!”. Era o jogo da corda, médicos contra enfermeiros. Uma rivalidade tipo canoagem Oxford vs. Cambridge, excepto pela masculinidade. Num quarto ao fundo do corredor onde a competição se desenrolava, Jill era a cara do sofrimento. A enfermeira que estava a ajudar no parto era irmã da ninfo-maníaca grávida. Após muitos urros, o petiz lá nasceu. “Tem a cara do pai e a alma da mãe”, disse Patrick. “Óptimo, quer dizer que não vai apanhar na escola e vai ser católico”, retorquiu Jill. “Isso não é uma contradição?”, indagou-se a enfermeira. “Cale-se, irmã da devota do Demo”, vociferou a recém-mãe. “Como queira”, replicou a enfermeira, “Que nome vão dar ao puto, para eu meter aqui na ficha. “Nicholas”, disse a babar-se Patrick, “Nicholas Sparks”.
Já sem a incómoda barriga, Jill pôde finalmente entregar-se a Patrick, num acto atentamente visionado por Nick, que estava ao lado no berço. Espera-se que esta visão não o afecte para a posteridade.
FIM

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